(Cavaleiro da Ordem Torre e Espada)
“Não louves homem algum antes da morte” (Eclesiástico XI, 28)
Na verdade não há heróis vivos e alguns daqueles a quem a posteridade atribuiu esse estatuto, foram, em vida, quase desprezados ou simplesmente ignorados senão mesmo maltratados pelos seus contemporâneos, outros, como o cidadão de que vamos falar, foi louvado em vida mas de modo efémero, pois, algum tempo passado, foi ignorado como ignorado o seu feito.
Vem este preâmbulo a propósito de José Fernandes Farinha, nascido no Soito, em casa humilde, no dia 17 de Agosto de 1850, filho de José Fernandes Farinha e de Luísa Antunes.
Casou em 14 de Outubro de 1876 com Maria Rodrigues e foram padrinhos de casamento seu irmão Manuel Fernandes Farinha, sapateiro e sua mulher Maria Nunes Ambrósio, fiadeira.
Tinha ainda outra irmã, Maria Fernandes Farinha, que fora Ama permanente desde 1889 até 1912, conforme consta nos livros de registo de expostos e que casou com Joaquim Fernandes Monteiro em 20 de Setembro de 1882 falecendo a 5 de Novembro de 1915 (sete dias antes dele) deixando uma filha.
Não tinha profissão específica o nosso herói, era jornaleiro, mas digno, correcto e leal.
O seu acto de coragem, que abaixo transcrevemos, valeu-lhe uma distinção honorifica por parte do Rei D. Luís Primeiro através de Decreto datado de 7 de Junho de 1877 e que consistiu na sua nomeação como Cavaleiro da antiga e muito nobre Ordem da Torre e Espada, valor, lealdade e mérito.
A medalha foi-lhe “pregada no peito” no dia 26 de Junho de 1877, em plena Sessão Extraordinária da Câmara, convocada para o efeito por portaria de 15 de Junho, sendo-lhe entregue o respectivo Diploma na “presença do Senhor Administrador, Juiz de Direito, Delegado do Procurador Régio, quase todo o funcionalismo público, o Fiscal da Alfandega encarregado do posto do Sabugal com grande número de empregados sob o seu comando, toda a força militar estacionada nesta Vila e alguns cavalheiros desta Vila e concelho, que quiseram mostrar assim quanto foi justo o procedimento de Sua Majestade” era Presidente da Câmara o Doutor António Justino Bigotte.
Os feitos que originaram esta distinção e segundo o relato escrito, consistiram na defesa, com risco da própria vida, de nove guardas da alfândega, que acolheu em sua casa, perseguidos por um grupo de cidadãos de Quadrazais.
Eis um fragmento do texto da acta de sessão da Câmara desse dia 26 de Junho: “A Câmara Municipal do concelho do Sabugal, tendo no mais alto apreço os actos de devoção cívica e admirável coragem praticados por José Fernandes Farinha, do Souto, freguesia deste concelho do Sabugal em a tarde de 23 de Abril último e os sentimentos humanitários de que o mesmo deu prova nesse terrível dia, salvando com risco da própria existência as vidas de nove guardas d’Alfandega brutalmente perseguidos por um bando de malfeitores de Quadrazais, honra aquele benemérito cidadão por seu extremado valor e abnegação e felicita-o pelas merecidas honras que Sua Majestade se dignou conferir-lhe por Decreto de 7 de Junho corrente”
Foi ainda Tesoureiro da Santa Casa da Misericórdia no período 1879/1880 em que a receita foi de 131.250 reis e a despesa de 92.750, havendo um saldo positivo de 38.500 reis.
Foi ainda Provedor em 1880/1881.
Morreu praticamente na miséria ás 4 horas da manhã do dia 12 de Novembro de 1915 na loja da casa de residência de Manuel Alves.
Tinha 64 anos, era viúvo e não deixou filhos conforme se pode ler no registo de óbito escrito pelo padre António Francisco Gonçalves.
E assim morreu um homem que fora herói por tão pouco tempo.
E que é feito da medalha? Que hoje podia fazer história!!!
Jan. 2005
Não pretendo escrever a história do Soito, mas tão só dar a conhecer factos ignorados do seu passado e, transmitir a verdade que os arquivos empoeirados do tempo me emprestaram.
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