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segunda-feira, 4 de abril de 2011

O Contrabando

O contrabando

Quando a região de Riba Côa passou a fazer parte do território nacional em 1297 e como espiritualmente continuaram a pertencer ao Bispado de Ciudad Rodrigo, as suas gentes continuaram a usufruir de privilégios em relação à troca e à circulação de mercadorias entre o País e Castilha.
Quando mais tarde no começo do século XV a soberania se tornou plena, as trocas continuaram a ser feitas à margem das leis e ainda até há bem pouco tempo muitos dos produtos de primeira necessidade, desde pão, azeite, tecidos, ferramentas, frutas, louças e perfumes, ou outros, eram provenientes de Espanha, transportados a ombros e a pé por muitos para uso pessoal ou outros que viam nesta actividade a única forma de subsistência e que em lugar de ser considerada contrabando devia ter sido classificada como serviço público, já que o país vizinho era a única fonte e fornecedor desses bens a esta região.
Com as guerras (Peninsular, 1ª e 2ª Grandes Guerras) e devido às necessidades de um ou de outro lado o contrabando tomou proporções empresariais e eram várias as sociedades dedicadas a tal pratica,
Embora já antes se verificasse, foi por altura da segunda grande guerra, que a procura internacional de minério por parte dos beligerantes se tornou mais intensa e o país, porque neutro, não se queria envolver oficialmente no fornecimento a nenhuma das partes, logo, o negócio do contrabando florescia; primeiro a pé com o “carrego” 25 e às vezes 50 Kg. Às costas dezenas de Quilómetros, palmilhando veredas de cabras, os homens esgotavam as forças em trabalho tão hercúleo ou caiam vitimados pela balas da Guarda Fiscal ou da Guardia Civil. Depois vieram os cavalos e até aos anos oitenta eram às centenas transportando quase sempre de noite, os mais variados artigos, tabaco para lá, fazendas e máquinas para cá, para atender à procura existente por parte dos consumidores que preferiam esse tipo de mercadorias.
Actividade de alto risco, foram muitos os que nela perderam a vida; uns dominados pelo frio e incapazes de se segurar na montada aquando da travessia do Côa eram arrastados pelas águas geladas onde morriam afogados ou de hipotermia; aconteceu no dia 30 de Dezembro de 1962 a dois adolescentes: Hermenegildo Robalo Carrilho de 15 anos e Manuel Joaquim Nunes Fernandes de 16 que vinham já de regresso e sem carga. Os cavalos salvaram-se a nado e eles também se salvariam não fosse o frio que lhes enregelou as mãos e os tornou presa fácil das águas.


O dia 12 de Setembro de 1960 foi o último para dois jovens Soitenses; João Marcos Lavrador de 20 anos e José Russo de Carvalho de 30, assassinados pela Guarda-Fiscal nos Foios, que disparou indiscriminadamente, para o grupo de homens que tentavam fugir para salvar a “carga” que transportavam, sendo ambos atingidos mortalmente, o acontecimento ocorreu a Norte da povoação no caminho que leva ao Soito e ainda há poucos anos era recordado por dois cruzeiros.


Em de Agosto de 1954, José Augusto Jorge Ventura, um pai de família que costumava comercializar azeite que trazia de Espanha e que transportava dois odres dele em seu cavalo é mandado parar pela GNR do Soito a meio caminho entre o Robalbo e o entroncamento dos dois caminhos que segue para a Granja, mas ele, ciente de que caso o fizesse lhe seria apreendido, bem como o animal que o carregava, não obedece e dá esporas à montada no intento de fugir e salvar o sustento da família, (esposa e quatro filhos menores) porém os guardas alheios ao valor da vida, fizeram uso da força das armas que falaram mais alto e abateram cavalo e cavaleiro.
O povo confrontado com o sucedido e indignado faz uma tentativa de revolta, mas a guarda, sabedora das intenções dos cidadãos, requisita mais efectivos e monta um dispositivo de guerra com metralhadoras apontadas ao exterior desde as portas do posto, situado então onde hoje é a casa do Sr. José Russo na Rua do antigo posto da GNR. O funeral realizou-se com pesar incontido mas quanto á reacção do povo e perante tamanho aparato policial, quedou-se pelas palavras de desaprovação e revolta aquando da passagem do féretro a poucos metros do quartel.


Já depois da Revolução de Abril, exactamente de 22 para 23 de Março de 1977, numa noite calma que nada o fazia adivinhar, foi morto Juan Simon Rodriguez, um cidadão espanhol de Valverde del Fresno a escassos cem metros da rotunda de São Cristóvão quando o grupo de cavalos e cavaleiros em que seguia carregados com tabaco sofreu uma emboscada por parte de elementos da Guarda Fiscal do Sabugal que disparou sem saber a quem atingia. Para além desta morte foram mortos também vários cavalos cuja carne alguns populares aproveitaram para consumo próprio como acontecera já em outras ocasiões e em casos semelhantes.

Num país que oficialmente tinha abolido a pena de morte para crimes políticos em 5 de Julho de 1852 e para crimes civis em 1 de Julho de 1867, ela continuava a ser praticada pelas autoridades policiais sem decisão judicial e com o apoio implícito ou mesmo explícito dos seus superiores que algumas vezes sancionavam tal acto com uma promoção do assassino o que era bastante revelador da conta em que era tida a vida humana.